Poesia e Arte

Sringara Rasa 
Keyt, George, born 1901 - died 1992



Painting - Sringara RasaAmor que morre

O nosso amor morreu... Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!

Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...

Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer,
E são precisos sonhos para partir.

E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há-de vir!

Florbela Espanca


O dia não tem sentido
Quando estás longe de mim
Se o dia não tem sentido
Que a noite não tenha fim

David Mourão-Ferreira / ilustração de Gonçalo Viana

E à Arte o Mundo CriaSeguro Assento na coluna firme 
Dos versos em que fico, 
Nem temo o influxo inúmero futuro 
Dos tempos e do olvido; 
Que a mente, quando, fixa, em si contempla 
Os reflexos do mundo, 
Deles se plasma torna, e à arte o mundo 
Cria, que não a mente. 
Assim na placa o externo instante grava 
Seu ser, durando nela. 

Ricardo Reis, in "Odes" 
Heterónimo de Fernando Pessoa


"Leite, leiuraletras, literatura,
tudo o que passa,
tudo o que dura
tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
tudo,tudo,tudo
não passa de caricatura
de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura"
Paulo Leminski/Valério Vidali






E havia uma gramática que dizia assim:
"Substantivo (concreto) é tudo quanto indica
Pessoa, animal ou cousa: João, sabiá, caneta".
Eu gosto das cousas. As cousas sim !...
As pessoas atrapalham. Estão em toda parte. Multiplicam-se em excesso.

As cousas são quietas. Bastam-se. Não se metem com ninguém.

Uma pedra. Um armário. Um ovo, nem sempre,
Ovo pode estar choco: é inquietante...
As cousas vivem metidas com as suas cousas.
E não exigem nada.
Apenas que não as tirem do lugar onde estão.
E João pode neste mesmo instante vir bater à nossa porta.
Para quê? Não importa: João vem!
E há de estar triste ou alegre, reticente ou falastrão,
Amigo ou adverso...João só será definitivo
Quando esticar a canela. Morre, João...
Mas o bom mesmo, são os adjetivos,
Os puros adjetivos isentos de qualquer objeto.
Verde. Macio. Áspero. Rente. Escuro. luminoso.
Sonoro. Lento. Eu sonho
Com uma linguagem composta unicamente de adjetivos
Como decerto é a linguagem das plantas e dos animais.
Ainda mais:
Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu saibas o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto...
Mário Quintana/William Bouguereau



O Teu RisoTira-me o pão, se quiseres,


tira-me o ar, mas

não me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que não muda,
mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, na hora
mais obscura desfia
o teu riso, e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

Perto do mar no outono,
o teu riso deve erguer
a sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero o teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
curvas da ilha,
ri-te deste rapaz
desajeitado que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando os meus passos se forem,
quando os meus passos voltarem,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas o teu riso nunca
porque sem ele morreria.

Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda

CORAÇÃO COURAÇA

Porque te tenho e não
porque te penso
porque a noite está de olhos abertos
porque a noite passa e digo amor
porque vieste recolher a tua imagem
e és melhor do que qualquer imagem tua
porque és linda do corpo até à alma
porque és boa da alma até mim
porque te escondes doce no orgulho
pequena e doce
coração couraça

porque és minha
porque não és minha
porque te vejo e morro
e pior que morro
se não te vejo amor
se não te vejo

porque tu existes sempre onde quer
mas existes melhor onde te quero
porque tua boca é sangue
e tens frio
tenho que amar-te amor
tenho que amar-te
ainda que esta ferida doa por duas
ainda que te busque e não te encontre
e ainda que
a noite passe e eu te tenha
e não.
Mario Benedetti  (Escritor e poeta uruguaio )
(Trad. A. M.)

IRENE LISBOA - AMOR


Aqueles olhos aproximam-se e passam.

Perplexos, cheios de funda luz,
doces e acerados, dominam-me.
Quem os diria tão ousados?
Tão humildes e tão imperiosos,
tão obstinados!

Como estão próximos os nossos ombros!

Defrontam-se e furtam-se,
negam toda a sua coragem.
De vez em quando
esta minha mão,
que é uma espada e não defende nada, move-se na órbita daqueles olhos,
fere-lhes a rota curta,
poderosa e plácida.

Amor, tão chão de Amor,

que sensível és...
Sensível e violento, apaixonado.
Tão carregado de desejos!

Acalmas e redobras

e de ti renasces a toda a hora.
Cordeiro que se encabrita e enfurece
e logo recai na branda impotência.

Canseira eterna!

Ou desespero, ou medo.
Fuga doida à posse, à dádiva.
Tanto bater de asas fermentes,
tanto grito e pena perdida...
E as tréguas, amor cobarde?
Cada vez mais longe,
mais longe e apetecidas.
Ó amor, amor,
que faremos nós de ti,
e tu de nós?